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Dois peitos e dois bebês

Parece lógico; mas não é. Deveria ser fácil; mas longe disso. Poderia ser como nos filmes, novelas e propagandas; quem dera! Para mim a amamentação foi um tema que envolveu mitos, dor, alegria, dúvidas, sangue, suor e lágrimas. Mas principalmente amor, muito amor. Por isso resolvi compartilhar minha experiência.

Quando a Damaris me convidou para contar como foi amamentar a Helena e o Henrique, não titubeei. Não só porque amo e vivo de escrever, mas também porque depois de mãe passei a amar mais o próximo e vi neste relato a oportunidade de acalentar os coraçõezinhos de tantas mães que passam pelos percalços do aleitamento sem o apoio necessário. Muitas desistem no início ou no meio do caminho. Essas eu também admiro pelo simples fato de terem tentado. Antes de ser mãe a gente não tem noção do tamanho dessa dificuldade. Ainda bem que nos dias de hoje temos tantos recursos, cursos, produtos e auxílio profissional. Eu, graças ao meu marido, irmãs, pais, sogra, e ao SOS Materna venci o desafio.

A cesariana aconteceu no dia em que eu completava 38 semanas de gravidez. Tudo correu bem, graças a Deus. Nada dos meus gêmeos pararem na UTI Neonatal, como eu tanto temia e sabia que era comum em partos gemelares. Ainda me recuperando da anestesia, ouvi de uma auxiliar de enfermagem:

- Olá, sou uma “Doutora do Peito” e estou aqui para te ajudar a colocar os nenéns no peito.

- É tudo o que eu mais quero.

Nem sempre querer é poder. Os 3 dias de maternidade foram tortuosos. Os pezinhos dos bebês eram furados 3 vezes por dia para medir a glicose. Foi-me dito que eles corriam risco de hipoglicemia e até de lesão cerebral se a bendita estivesse abaixo do esperado. Isso sem falar em copinhos e colherinhas com NAN rondando os bebês a cada 3 horas e na ameaça de não receber alta enquanto não aprendessem a mamar. E olha que eles nem nasceram tão pequeninos assim. A Helena mediu 46 centímetros e pesou 2,575kg. As medidas do Henrique foram 47cm e 2,365kg. Logo descobri que amamentar também é uma faca de dois gumes. É necessário autoconfiança para acreditar no seu potencial de mamífera e não desistir. Mas também é preciso humildade para reconhecer que sem ajuda não dá.

Impressionante como tem profissionais de saúde duvidando da sua capacidade. Ainda mais com gêmeos! Incrível a pressão que, mesmo vulnerável e frágil, a mulher recém-parida sofre. Acho que só não tive depressão pós-parto pelo carinho do meu marido e porque meus filhos foram muito, mas muito desejados e planejados. Graças a Deus o colostro veio de cara, ordenhado pela Damaris e devorado pelos dois bebês através de uma colherinha. O leite só desceria 2 dias depois. O problema foi que descobri que tinha mamilos planos. Apesar de toda massagem e banho de sol nos últimos 3 meses da gravidez, eles continuavam tímidos. A tal “doutora do peito” teve que usar uma seringa invertida para sugar o mamilo para fora. Que dor! Só hoje sei que isso não é necessário, que não importa o mamilo, quem faz o bico é o neném, desde que o seio esteja macio para ele abocanhá-lo.

Influenciada pela fonoaudióloga do hospital, apelei para o bico auxiliar. Esse sim ajudou no começo. Mas logo percebi que os bebês não mamavam tudo que tinham que mamar com uma barreira de silicone entre suas boquinhas e os desejados peitos. Foi aí que percebi que além da consulta da Damaris na maternidade iria precisar de mais idas ao SOS Materna. Recebi dicas preciosas sobre a pega correta, essencial para os bicos não racharem e também aprendi que a dolorosa massagem nos seios antes de cada mamada era um mal necessário para evitar o empedramento e a mastite. E os banhos de raio infravermelho? Que alívio!

Acabou que meus mamilos não racharam. O meu maior problema foi o empedramento dos seios. Uma vez que o leite começou a descer, jorrou. E os gêmeos ainda franzinos e sem saber sugar direito não esvaziavam os seios por completo. Até ajustar demanda, produção e consumo, foi uma odisseia. Não é à toa que dizem que peito é fábrica, e não estoque.

Também ajudou muito o fato de eu ter uma mãe que me deu à luz numa época de berçários, horários fixos para mamar e mamadeiras de glicose. O trauma por não ter me amamentado fez com que ela fizesse uma lavagem cerebral e desde que eu me entendo por gente, ouço: TEM que amamentar. Ponto final. Exatamente por isso ela e o meu pai sempre estiveram por perto, inclusive ficando com as crianças para eu tirar curtas, mas valiosas sonecas.

E ainda tive a sorte de ter o marido que tenho. Um homem que nasceu para ser pai, que acordava todas as madrugadas comigo (ok, com gêmeos ele não tinha muita opção), que massageou meus seios quando eles empedraram, que ainda hoje faz com a voz mais carinhosa uma pergunta que vale ouro e que deve ser repetida por todos os papais do mundo: Você precisa de alguma coisa? Literalmente, Fabiano amamentou e amamenta junto comigo.

Além disso, entrou em cena minha sogra, aquela que nos acompanhou em tantas madrugadas, que mandava a gente dormir durante o dia ou enquanto fazia o último bebê que mamou arrotar, que preparou almoços, lanches e jantares deliciosos e que me ajudou a treinar a nova funcionária que tinha vindo nos ajudar.

Seguimos bem até o dia 16/05, dia de consulta de rotina com a pediatra. Resumindo: só aos 2 meses e meio de vida descobrimos que o Henrique nasceu com uma cardiopatia congênita e teve que fazer uma cirurgia em São Paulo. Ficamos 62 dias longe de Cuiabá, hospedados na casa de dois amigos queridos, a Cândida e o Sergio, verdadeiros irmãos. Entre as internações e a cirurgia do Henrique, a Helena deve ter pego a mamadeira por uns 20 dias. No frio, seco e poluído inverno paulista, surtos de H1N1 e bronquiolite rondavam o hospital. Minha pequena foi proibida, com razão, de estar lá. Resultado: virei freguesa do lactário da Beneficência Portuguesa. Sempre que possível, nossos anfitriões-anjos iam até o hospital buscar o líquido precioso. Os seios que amamentavam dois passaram a amamentar apenas um bebê. Por isso a ordenha foi essencial para combater o temido empedramento/ingurgitamento. Houve dias que cheguei a tirar 250 ml de dia e 250 ml à noite! Mas nem sempre o meu leite podia chegar à princesa. Aí ela tinha que se contentar com o NAN. Tive que ficar com o filho que mais precisava de mim no momento. Não desejo para nenhuma mãe o que passei: ser obrigada a escolher entre os filhos quando o amor é o mesmo. A recompensa veio no dia em que o Henrique saiu da UTI. Ele pegou o peito como se nada tivesse acontecido. Um guerreiro, esse meu filho. Meu pequeno herói. Tive que chamar as enfermeiras para o verem mamando, pois não acreditavam que um bebê de apenas 3 meses, que teve o tórax serrado ao meio 5 dias antes, estava conseguindo mamar daquele jeito. E a minha Helena, que voltou para o seio da mamãe como se nunca tivesse visto uma mamadeira na vida?

Porém, antes de voltar pra Cuiabá, recebemos a recomendação médica de introduzir alimentos sólidos para o Henrique se recuperar mais rápido. Mais precisamente: maçã, banana e suco de laranja lima por enquanto. Assim como foi com a mamadeira e o copo de treinamento, ele não aceitou muito bem, não. Ele só queria peito! Foi uma luta, pois ele teria uma cirurgia ainda maior quando estivesse perto de completar um ano e precisava ganhar peso. Infelizmente e com muita dor no coração não pude realizar o sonho de amamentar os gêmeos exclusivamente nos 6 primeiros meses. Mas passei perto, muito perto. Cheguei aos 5 meses e 1 dia.

Tudo foi seguindo conforme o esperado. Os gêmeos mamando no peito, crescendo e aos poucos se adaptando às frutas, verduras, legumes e outros alimentos. Só tive mais um percalço, quando eles estavam com 8 meses. Lembram-se do que falei sobre pedir ajuda? A essa altura do campeonato, me achando a mestre da amamentação, tive que pedir socorro, ou melhor, SOS novamente à Damaris. Explico: por mais que os seios estivessem vazios, sentia uma dor latejante. Mal conseguia erguer os braços. A Damaris me atendeu prontamente e logo diagnosticou: obstrução nos ductos mamários. O remédio? Ui! Massagem. Lá fui eu de novo lidar com a dor. Também recebi a dica de pelo menos uma vez ao dia colocar os bebês para mamar na posição invertida. Assim todos os lados das aréolas seriam massageados por seus maxilares durante a mamada. Isso preveniria novas obstruções.

Conforme previsto, no dia 18 de fevereiro meu Henrique foi internado para a cirurgia cardíaca corretiva. Eu estava ansiosa e cheia de esperança de que depois dessa última cirurgia ele fosse crescer feliz e saudável. Não era o que estava nos planos de Deus. Na madrugada do dia 20 de fevereiro amamentei meu menino pela última vez. Depois de sair bem do centro cirúrgico, ele teve uma parada cardíaca e tudo desandou. Acabou que ele não resistiu a tantas intervenções em seu coraçãozinho e foi devolvido ao Pai em 01/03/2014, exatamente no dia em que ele e a Helena completaram 1 aninho de vida. Já pensaram se eu não tivesse amamentado o Henrique? Acho que a dor da sua partida teria sido ainda maior, se é que isso é possível. Neste ano que passamos juntos a amamentação estreitou ainda mais nosso vínculo e permitiu que pudéssemos passar mais tempo juntos, vivendo momentos que jamais vou esquecer. Sem dúvida ele virou um anjo e foi dele e da minha fé em Deus que veio a força para eu não perder o apetite e para o meu leite não secar. Hoje a Heleninha está com 1 ano e três meses, mais saudável, sapeca e linda do que nunca. Enquanto escrevo ela dorme placidamente após uma bela mamada. E assim vai ser enquanto eu puder oferecer e enquanto ela quiser o seio.

 Aqui vão algumas dicas de tudo o que aprendi. Espero que delas vocês também possam tirar lições para sobreviver a essa amarga e ao mesmo tempo doce jornada:

- Antes do parto, convoque uma reunião com seus parentes mais próximos e com as pessoas que vão te ajudar a cuidar do bebê. Explique que amamentar é o melhor para a(s) criança (s), que isso é sua prioridade, sua causa, seu desafio a ser vencido. Diga que precisa contar com a ajuda de todos. Eles também precisam estar preparados, assim como você. Com esse apoio vai ser bem mais fácil não desistir. Essa segurança  também ajuda a afastar os palpiteiros de plantão. Vai ter muito mais gente, incluindo sogras, tias, vizinhas, e pasmem - pediatras e enfermeiras - achando que é mais fácil dar logo a mamadeira. Para ser bem sincera, em toda essa jornada por consultórios médicos e hospitais não conheci nenhum profissional de saúde que REALMENTE apoiasse a amamentação.

- O segredo do sucesso da amamentação é um só: AMOR. Não tem outro, não adianta querer inventar. Confie no amor que seus filhos já nasceram sentindo por você e no amor que você mal consegue explicar e sente por eles. Converse com seu bebê, faça carinho no seu rosto e cabecinha, olhe-o nos olhos, beije, cheire, abra seu coração, diga que o ama, que sabe como é difícil enfrentar o mundo aqui fora e ainda ter que aprender a se alimentar, sugar, engolir, respirar, abocanhar... tudo ao mesmo tempo. Isso também ajuda o leite a descer.

- Paciência. Você e ele (s) estão aprendendo a dar e receber o peito. Na época das nossas avós não tinha “complemento” e ninguém morria de fome. Quanto mais o bebê sugar, mais leite vem e não existe leite fraco. Essas são as maiores verdades da amamentação.

- Não tenha vergonha de pedir ou contratar ajuda. Se precisar, seja folgada, até cara de pau, eu diria. Para amamentar gêmeos, ou um bebê que seja, é preciso sempre ter alguém borboleteando ao seu redor. É a sede que precisa ser morta, a almofada que precisa ser colocada, o ventilador que precisa ser ligado, o sutiã que precisa ser fechado, o sanduíche que precisa devorado, o vazamento de leite que precisa ser contido, o bebê que precisa ser entregue para arrotar. Isso só para citar algumas necessidades. A mãe que amamenta SEMPRE precisa de alguma coisa.

- Deixe os seios respirarem. Sempre que puder ande com eles ao ar livre em casa. Isso evita que eles assem. Sim, assim como o bumbum do seu bebê os seios assam. E pelo mesmo motivo: calor+umidade+resíduos. Também é bom maneirar nos absorventes de seio, usando só quando for necessário, garantindo seu convívio social.

- Ao final de cada mamada, passe seu próprio leite nos mamilos e deixe secar. Não existe remédio melhor para prevenir rachaduras.

- Antes de soltar ou de dar ouvidos a frases como: “Mas já quer mamar de novo??? Esse (a) menino (a) acabou de largar o peito!”, lembre-se que peito é muito mais que alimento. É calor, cura, colo, consolo, carinho, segurança. Nem sempre seu bebê vai procurar o peito para matar a fome ou a sede.

- Esqueça a vergonha. Seu corpo não te pertence mais. Eu já amamentei em aeroportos, restaurantes, parques, shoppings, lojas, salão de beleza, casa de parentes e amigos, salas de espera e até igrejas. Enfim, um bebê não escolhe hora nem lugar para mamar. Quem não quiser ver, que saia de perto, que não olhe.

- Existem vários aplicativos de amamentação. Eu recomendo dois: o “Aleitamento”, feito por 2 médicos, é ótimo para leitura e esclarecimento de dúvidas. O “Amamentação”, da revista Pais e Filhos, é perfeito para cronometrar as mamadas e evitar que você e o marido fiquem perdidos. Por mais que os bebês mamem quando queiram, é bom saber quem mamou em qual seio. Assim você evita dar só um peito para cada bebê. Aprendi que o ideal é que cada um mame duas vezes em um seio, trocando depois. Dessa forma, cada um recebe tanto o leite anterior e mais líquido do início da mamada, quanto o leite posterior, mais “gordo” e que satisfaz no fim da mamada.

- Procure dar meia hora de diferença entre a mamada de cada bebê. Até a gente conseguir se ajustar a esse espaçamento de tempo, o Henrique ficava aos berros até a Helena acabar de mamar ou vice-versa. Não era sempre que conseguia colocar os dois para mamar ao mesmo tempo.

- Muitas grávidas (eu inclusive) só se preocupam em comprar roupas para caber o barrigão. Não deixe de providenciar um enxoval de amamentação. Tenha pelo menos 4 sutiãs de algodão, um número maior do que o seus seios no final da gravidez. Sim, eles vão crescer ainda mais. Nos dois primeiros meses, você vai viver numa espécie de “prisão domiciliar”. Pelo menos comigo foi assim, por bom senso e recomendações da pediatra só saíamos de casa para consultar ou vacinar as crianças. Elas sempre estiveram em primeiro lugar. Então, compre muitas roupas de ficar em casa de qualidade. Tudo com botões e aberturas estratégicas. Digo de qualidade porque provavelmente você vai usá-las por muito tempo. Até hoje eu uso sutiãs de amamentação e a maioria das minhas blusas têm zíperes ou botões. Essas eu fui comprando aos poucos. Hoje em dia têm várias lojas on-line que vendem exclusivamente moda amamentação.

É isso, gente. Amamentar é amor, dedicação e renúncia. É colocar seu bebê acima de tudo. Infelizmente nem todas as mamães têm a estrutura que eu tive e não podem realizar esse sonho. Parei de trabalhar no 7º mês de gravidez e continuo assim: 24 horas por dia dedicada à minha Helena. Lógico que quero e preciso voltar ao mercado de trabalho e tenho certeza que isso vai acontecer na hora certa.

Dia desses, li que uma blogueira de moda parou de amamentar sua filhinha de apenas 3 meses porque não podia perder a São Paulo Fashion Week. Isso porque ela é podre de rica, dona do próprio negócio e tem uma babá 24 horas por dia. A tal semana de moda acontece todo ano, poxa vida! Já essa fase da bebezinha jamais vai voltar. Enfim, cada cabeça uma sentença.

Se você leu até aqui, muito obrigada. Com este relato um tanto quanto longo, espero ter ajudado e provado que amamentar, inclusive amamentar gêmeos, é possível sim! É só ter perseverança, ajuda, e muita, mas muita paciência. As dores e dificuldades do começo vão passar e depois é só alegria.

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